Hoje transcrevemos, parcialmente, uma notícia do jornal Sol:
Fernando Pessoa confessou ter chorado ao lê-lo em criança e chamou-lhe «imperador da língua portuguesa». José Saramago defendeu que «a língua portuguesa nunca foi mais bela que quando a escreveu esse jesuíta». Alexandre Herculano aconselhava os jovens escritores do romantismo incipiente a «tomar caldinhos de Vieira». No caso do Padre António Vieira (1608-1697) e da sua obra, toda a exaltação será justa.
Pregador sacro, foi também homem de ação e de política, pragmático e tenaz, um pioneiro, um visionário. Nenhum outro conseguiu tal equilíbrio sereno mas engenhoso entre a orgânica cursiva das ideias e a propriedade e expressividade da linguagem, graças a um magistral domínio da língua. Se não, faça-se-lhe jus e leia-se o seguinte fragmento do Sermão do Espírito Santo, de 1657: «Arranca o estatuário uma pedra dessas montanhas, tosca, bruta, dura, informe e, depois que desbastou o mais grosso, toma o maço e o cinzel na mão e começa a formar um homem; primeiro, membro a membro e, depois, feição por feição, até à mais miúda. Ondeia-lhe os cabelos, alisa-lhe a testa, rasga-lhe os olhos, afila-lhe o nariz, abre-lhe a boca, torneia-lhe o pescoço, estende-lhe os braços, espalma-lhe as mãos, divide-lhe os dedos, lança-lhe os vestidos. Aqui desprega, ali arruga, acolá recama. E fica um homem perfeito, e talvez um santo que se pode pôr no altar». Assim também e após séculos de receção conturbada, renasce o Padre António Vieira e a sua obra.
Missionário apaixonado, Padre António Vieira é também menos conhecido como político e crítico social, capaz de espantoso e ainda actualíssimo realismo. Através das cartas, José Eduardo Franco distingue-o mesmo como «pensador anti-crise», isto é, «preocupado com a história de Portugal do momento, empenhado na viabilidade e independência do país e autor de ideias e sugestões completas».Vieira criticou a intolerância religiosa, a corrupção ou as discrepâncias entre ricos e pobres, defendeu os índios e os judeus. Muitas das suas propostas inovadoras soçobraram, «mas, pasme-se, o Marquês de Pombal, seu detractor, aplicará afinal muitas delas», firmando-o como um iluminista avant la lettre. Em A Chave dos Profetas, descobrimo-lo também na plenitude da sua utopia profética reconciliadora dos homens. Tal como defendeu o catedrático Aníbal Pinto de Castro, Vieira «projectou uma cidadania global do futuro».
Com a sua Obra Completa, agora publicada, poderemos por fim apreender a extensão da riqueza e coragem da sua cruzada: «A iniciação poderá ser feita, por exemplo, a partir das relações de viagens, que o mostram como uma espécie de Indiana Jones das missões e que dariam até um notável filme de aventuras», segundo Miguel Real.
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