Hoje transcrevemos um artigo da autoria do historiador Germano Silva, publicado no Jornal de Notícias do passado domingo, 21 de setembro de 2014, dia das Festividades em Honra de Nossa Senhora do Porto
Aquele morro altissimo que fica entre a Rua das Antas e a
igreja paroquial do Bonfim chamou-se antigamente o Fojo – palavra que significa
“cova funda com uma abertura disfarçada para apanhar animais”.
Pode hoje não parecer, mas, há pouco mais de duzentos anos,
antes de toda aqueça zona se desentranhar em urbanismo, o sitio em questão tinha
mesmo o aspeto medonho de um barranco inóspito, de um perigoso precipício.
No cimo do penhasco foram construídas, há muitos anos, por
viajantes piedosos, umas “alminhas” que no seculo XVIII, mais concretamente em
1767, a generosidade do cónego da Sé do Porto José Maria de Sousa e as esmolas
do povo devoto transformaram numa capela sob a invocação do Senhor Jesus do
Fojo que, anos mais tarde, passaria a chamar-se Senhor Jesus da Boa-vista.
O nome de Senhor Jesus da Boa-vista, assim como o topónimo de
Montebelo (atual Fernão de Magalhães) têm a ver com o ambiente rural que
naqueles recuados tempos envolvia o Fojo.
Descrições da zona feitas ainda nos meados do século XIX fazem
referências a “amplas zonas cobertas de férteis campos” e de um “panorama
verdadeiramente paradisíaco” que, por esses tempos, era possível desfrutar do
pequeno adro que havia em frente da capela, “todo circundado de arvoredo, o que
o torna (ao adro) muito agradável para quem ali quiser pousar”.
Bom, este panorama já não é possível contemplar. Mas a
capela, depois de ter sido construída em 1864, ainda se lá se encontra e hoje
mesmo está em festa porque nela se celebra a festividade da Senhora do Porto
cuja imagem se venera em altar próprio no interior do pequeno templo.
É bem curiosa a história desta Senhora do Porto. Escrevemos desta,
porque há mais duas imagens da mesma invocação: uma que é a da padroeira da
paróquia da Senhora do Porto, ao Monte dos Burgos, e a terceira foi da casa da
Prelada e está no Museu da Santa Casa da Misericórdia do Porto, na Rua das
Flores.
Mas, vamos à história da Senhora do Porto do Montebelo, ou
do Fojo, se preferirem.
Durante a segunda invasão francesa, que ocorreu sob comando do
general Soult, no ano de 1809, a cidade esteve a saque. Os soldados franceses,
durante vários dias, além de terem cometido toda a sorte de tropelias e vilezas
para com os portuenses, saquearam casas e igrejas de onde roubaram tudo o que
tivesse valor.
Um certo dia, ainda no decurso da ocupação, apareceu ali
para os lados do Bonfim um soldado francês a oferecer à venda, a quem com ele
se cruzava, uma imagem de Nossa Senhora. Passou por ele um funcionário da Câmara
que ofereceu pela imagem um pinto, moeda de prata corrente na época. Fez-se o “negócio”
e o comprador levou a imagem à capela do Senhor Jesus da Boa-vista onde ficou
sob a invocação de Nossa Senhora do Porto, que tem a sua festa anual exatamente
hoje, terceiro domingo do mês de setembro.
Mas esta não é a única festa que se realiza ma capela. Importante
também é a que se faz no primeiro domingo de Julho em louvor do próprio Senhor
Jesus da Boa-vista, cuja imagem ocupa o lugar de honra, se assim se pode dizer,
do altar principal da capela. Também esta imagem tem uma história. Foi seu
autor o escultor portuense Manuel Soares de Oliveira, que um dia fez a promessa
de esculpir uma imagem do Senhor Jesus da Boa-vista, em tamanho natural, que
ofereceria à capela se ficasse livre do serviço militar. Assim aconteceu e o
artista cumpriu a promessa.
Durante o Cerco (1832/1833) foi construída uma linha de
defesa do Porto que, nesta zona da cidade, passava junto da capela do Senhor
Jesus da Boa-vista. Por causa disso, o pequeno templo foi muito danificado
pelos obuses que a atingiram durante os renhidos combates que se travaram no
alto do penhasco do Fojo. O sitio era privilegiado porque dele era impossível atingir
a sempre muito movimentada estrada de Valongo. A ampliação da capela feita em
1864 teve, também, entre outros, o objetivo de reparar as mazelas causadas pela
guerra civil que opôs as tropas de D. Miguel ao exército de D. Pedro IV.
O sítio onde agora corre a Avenida Fernão de Magalhães,
antes da abertura das artérias circundantes e da construção de enormes
edifícios, chamava-se simplesmente Montebelo. A Rua do Amparo (evocação a Nossa
Senhora do Amparo?) era, antigamente, a Viela da Palha. E havia o lugar de Goelas
de Pau, com seu belo mirante, onde também se travaram combates durante a
segunda invasão francesa e no tempo do Cerco. O Governo português comprou esta
propriedade em 1892 e, sete anos depois, por ocasião de uma epidemia que
assolou a cidade, chamada a peste bubónica, construiu-se ali um hospital para
tratamento dos pestíferos. O Hospital Joaquim Urbano.