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domingo, 28 de setembro de 2014

Senhora do Porto

Hoje transcrevemos um artigo da autoria do historiador Germano Silva, publicado no Jornal de Notícias do passado domingo, 21 de setembro de 2014, dia das Festividades em Honra de Nossa Senhora do Porto





Aquele morro altissimo que fica entre a Rua das Antas e a igreja paroquial do Bonfim chamou-se antigamente o Fojo – palavra que significa “cova funda com uma abertura disfarçada para apanhar animais”.


Pode hoje não parecer, mas, há pouco mais de duzentos anos, antes de toda aqueça zona se desentranhar em urbanismo, o sitio em questão tinha mesmo o aspeto medonho de um barranco inóspito, de um perigoso precipício.


No cimo do penhasco foram construídas, há muitos anos, por viajantes piedosos, umas “alminhas” que no seculo XVIII, mais concretamente em 1767, a generosidade do cónego da Sé do Porto José Maria de Sousa e as esmolas do povo devoto transformaram numa capela sob a invocação do Senhor Jesus do Fojo que, anos mais tarde, passaria a chamar-se Senhor Jesus da Boa-vista.


O nome de Senhor Jesus da Boa-vista, assim como o topónimo de Montebelo (atual Fernão de Magalhães) têm a ver com o ambiente rural que naqueles recuados tempos envolvia o Fojo.

Descrições da zona feitas ainda nos meados do século XIX fazem referências a “amplas zonas cobertas de férteis campos” e de um “panorama verdadeiramente paradisíaco” que, por esses tempos, era possível desfrutar do pequeno adro que havia em frente da capela, “todo circundado de arvoredo, o que o torna (ao adro) muito agradável para quem ali quiser pousar”.


Bom, este panorama já não é possível contemplar. Mas a capela, depois de ter sido construída em 1864, ainda se lá se encontra e hoje mesmo está em festa porque nela se celebra a festividade da Senhora do Porto cuja imagem se venera em altar próprio no interior do pequeno templo.


É bem curiosa a história desta Senhora do Porto. Escrevemos desta, porque há mais duas imagens da mesma invocação: uma que é a da padroeira da paróquia da Senhora do Porto, ao Monte dos Burgos, e a terceira foi da casa da Prelada e está no Museu da Santa Casa da Misericórdia do Porto, na Rua das Flores. 


Mas, vamos à história da Senhora do Porto do Montebelo, ou do Fojo, se preferirem.
Durante a segunda invasão francesa, que ocorreu sob comando do general Soult, no ano de 1809, a cidade esteve a saque. Os soldados franceses, durante vários dias, além de terem cometido toda a sorte de tropelias e vilezas para com os portuenses, saquearam casas e igrejas de onde roubaram tudo o que tivesse valor.


Um certo dia, ainda no decurso da ocupação, apareceu ali para os lados do Bonfim um soldado francês a oferecer à venda, a quem com ele se cruzava, uma imagem de Nossa Senhora. Passou por ele um funcionário da Câmara que ofereceu pela imagem um pinto, moeda de prata corrente na época. Fez-se o “negócio” e o comprador levou a imagem à capela do Senhor Jesus da Boa-vista onde ficou sob a invocação de Nossa Senhora do Porto, que tem a sua festa anual exatamente hoje, terceiro domingo do mês de setembro.


Mas esta não é a única festa que se realiza ma capela. Importante também é a que se faz no primeiro domingo de Julho em louvor do próprio Senhor Jesus da Boa-vista, cuja imagem ocupa o lugar de honra, se assim se pode dizer, do altar principal da capela. Também esta imagem tem uma história. Foi seu autor o escultor portuense Manuel Soares de Oliveira, que um dia fez a promessa de esculpir uma imagem do Senhor Jesus da Boa-vista, em tamanho natural, que ofereceria à capela se ficasse livre do serviço militar. Assim aconteceu e o artista cumpriu a promessa.


Durante o Cerco (1832/1833) foi construída uma linha de defesa do Porto que, nesta zona da cidade, passava junto da capela do Senhor Jesus da Boa-vista. Por causa disso, o pequeno templo foi muito danificado pelos obuses que a atingiram durante os renhidos combates que se travaram no alto do penhasco do Fojo. O sitio era privilegiado porque dele era impossível atingir a sempre muito movimentada estrada de Valongo. A ampliação da capela feita em 1864 teve, também, entre outros, o objetivo de reparar as mazelas causadas pela guerra civil que opôs as tropas de D. Miguel ao exército de D. Pedro IV.


O sítio onde agora corre a Avenida Fernão de Magalhães, antes da abertura das artérias circundantes e da construção de enormes edifícios, chamava-se simplesmente Montebelo. A Rua do Amparo (evocação a Nossa Senhora do Amparo?) era, antigamente, a Viela da Palha. E havia o lugar de Goelas de Pau, com seu belo mirante, onde também se travaram combates durante a segunda invasão francesa e no tempo do Cerco. O Governo português comprou esta propriedade em 1892 e, sete anos depois, por ocasião de uma epidemia que assolou a cidade, chamada a peste bubónica, construiu-se ali um hospital para tratamento dos pestíferos. O Hospital Joaquim Urbano.

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