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sábado, 4 de maio de 2013

Menino Jesus... da cartolinha


Na passada semana fiquei a conhecer mais uma devoção ao Menino Jesus que poderá ser novidade para alguns dos seguidores do nosso blog: o Menino Jesus da Cartolinha.



A imagem acima é do referido Menino Jesus, lindamente "engalanado" com uma capa de honra, típica de Miranda do Douro (Bragança).

Para melhor dar a conhecer esta devoção a uma imagem que se encontra em Miranda do Douro (Portugal), transcrevemos um artigo do historiador Joel Cleto e Suzana Faro (http://joelcleto.no.sapo.pt):

L nuosso “menino”. O nosso menino - é assim que, em mirandês (a segunda língua oficial de Portugal), os locais designam carinhosamente o Menino Jesus da Cartolinha. Imagem envolta em mistério, lenda e devoção, a doação de “fatinhos” fidalgos a este “nino Jasus”, guardado na Sé de Miranda do Douro, já era famosa  e largamente documentada nos inícios do século XVIII. Contudo, foi só há cerca de cem anos que ele ganhou o seu mais famoso adereço: a “cartolica”. Uma cartolinha famosa que permite algumas interessantes interpretações sociológicas e históricas, como o da vitória da burguesia comercial e industrial sobre a aristocracia nobiliárquica.


A catedral de Miranda do Douro guarda, entre os seus vários tesouros e relíquias, uma antiga, curiosa e famosa imagem que atrai devotos de ambos os lados da fronteira: o Menino Jesus da Cartolinha. Célebre pelo chapéu que ostenta, esta escultura datada dos finais do século XVII ou do início do século XVIII, é também conhecida pelas oferendas que lhe são feitas: fatinhos, roupas, sapatos e outros adereços de vestuário. De fatos fidalgos, a roupas de bebé, passando por fardas militares, fraques de noivo, trajes universitários ou folclóricos, é muito vasto o guarda-roupa do Menino Jesus de Miranda do Douro. Uma verdadeira “Barbie” (neste caso Ken) devocional.

E como teve origem esta tradição? 

Conta a lenda (ou, pelo menos, uma das versões da lenda) que tudo terá começado durante um dos muitos episódios de cerco e guerra a que Miranda do Douro se viu sujeita ao longo da sua existência. Algumas versões mais “historicizantes” pretendem mesmo que o acontecimento que seguidamente narramos terá ocorrido por volta de 1711, quando Miranda foi invadida pelo exército castelhano durante vários meses.

Estava pois a cidade invadida, saqueada e sem qualquer esperança de socorro ou salvação, já que dos prometidos reforços não se vislumbrara qualquer efectivo, quando surgiu no alto das muralhas uma criança, vestida de fidalgo cavaleiro, gritando e apelando aos mirandeses que pegassem nas armas e lutassem contra os invasores. Foi tal o apelo e o ânimo que, saindo os habitantes das suas casas com as mais improvisadas armas, nomeadamente instrumentos agrícolas, conseguiram o milagroso feito de expulsar os invasores.

No momento de celebrar a vitória constataram, contudo, que da criança que os motivara para a luta e que, em plena batalha, surgira em vários sítios, não havia o mínimo sinal. Compreenderam então que o seu feito se ficara a dever a uma intervenção divina e, por esse motivo, mandaram esculpir uma imagem de um Menino Jesus vestido à fidalgo da época e colocaram-no num altar em plena catedral de Miranda. Durante os anos seguintes, e como forma de agradecimento, eram vestidos novos fatos fidalgos à imagem, nascendo assim a tradição, que posteriormente se alargaria a outras “formas, feitios e tecidos”, de lhe oferecer vestuário. 

Outras versões procuram detectar, na lenda, um misterioso amor proibido ou frustrado de uma fidalga, ou mesmo religiosa, que vestiria a imagem da forma como idealizava o seu secreto noivo: de fidalgo cavaleiro.

Esta versão, embora tropece no facto de em Miranda nunca ter existido qualquer convento feminino, possui a seu favor o facto deste Menino não ser, de facto, um bebé ou uma criança, representando antes um jovem com cerca de dezoito ou vinte anos. Por outro lado, esta versão tem ainda a ajuda de ser historicamente reconhecido que a devoção ao Menino Jesus teve um forte incremento a partir do século XVII, na sequência da Contra-Reforma, exactamente por parte do mundo conventual feminino.

Tenha esta criança motivado a revolta dos populares contra os ocupantes castelhanos, ou seja ela a representação de um amor proibido, a verdade é que a fama desta escultura rapidamente se alicerçou dentro da comunidade e daqui se difundiu um pouco por toda a parte. A prová-lo está o facto de já em 1722 constar do arrolamento dos bens desta Sé Catedral uma vasta lista de fatinhos de cavaleiro que, já naquele tempo, vestiam ao menino. De nada adiantando as disposições ditadas pelas Constituições Sinodais de Elvas de 1633 que proibiam as imagens que usassem “vestidos profanos com topetes” ou aparecessem com “espadas ou outras insígnias indecentes”.

“Indecente” seria considerada, certamente, a cartolinha que o Menino Jesus passou a ostentar desde os finais do século XIX/ inícios do XX. Trata-se pois de um adereço completamente extemporâneo ao aparecimento da imagem, mas que não deixa de ter um profundo significado. Com efeito, a intenção de oferecer a cartola embora tenha sido uma forma de distinguir e tornar ainda mais nobre esta imagem, acabou por representar, no final do século XIX, o reconhecer da importância crescente que os capitalistas e altos senhores burgueses (exactamente os que utilizavam cartola) possuíam na sociedade de então, ultrapassando de algum modo em importância os fidalgos e aristocratas que até então haviam dominado a sociedade e... a forma de vestir do Menino.

E a verdade é que a cartolinha veio para ficar...

A RTP também transmitiu reportagem sobre esta imagem e a sua devoção (http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=512456&tm=8&layout=122&visual=61)

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