Na passada semana fiquei a conhecer mais uma devoção ao Menino Jesus que poderá ser novidade para alguns dos seguidores do nosso blog: o Menino Jesus da Cartolinha.
A imagem acima é do referido Menino Jesus, lindamente "engalanado" com uma capa de honra, típica de Miranda do Douro (Bragança).
Para melhor dar a conhecer esta devoção a uma imagem que se encontra em Miranda do Douro (Portugal), transcrevemos um artigo do historiador Joel Cleto e Suzana Faro (http://joelcleto.no.sapo.pt):
L nuosso “menino”. O nosso menino - é assim que, em
mirandês (a segunda língua oficial de Portugal), os locais designam carinhosamente
o Menino Jesus da Cartolinha. Imagem envolta em mistério, lenda e devoção, a
doação de “fatinhos” fidalgos a este “nino Jasus”, guardado na Sé de Miranda do
Douro, já era famosa e largamente
documentada nos inícios do século XVIII. Contudo, foi só há cerca de cem anos
que ele ganhou o seu mais famoso adereço: a “cartolica”. Uma cartolinha famosa
que permite algumas interessantes interpretações sociológicas e históricas,
como o da vitória da burguesia comercial e industrial sobre a aristocracia
nobiliárquica.
A catedral de Miranda do Douro
guarda, entre os seus vários tesouros e relíquias, uma antiga, curiosa e famosa
imagem que atrai devotos de ambos os lados da fronteira: o Menino Jesus da
Cartolinha. Célebre pelo chapéu que ostenta, esta escultura datada dos finais
do século XVII ou do início do século XVIII, é também conhecida pelas oferendas
que lhe são feitas: fatinhos, roupas, sapatos e outros adereços de vestuário.
De fatos fidalgos, a roupas de bebé, passando por fardas militares, fraques de
noivo, trajes universitários ou folclóricos, é muito vasto o guarda-roupa do
Menino Jesus de Miranda do Douro. Uma verdadeira “Barbie” (neste caso Ken)
devocional.
E como teve origem esta
tradição?
Conta a lenda (ou, pelo menos,
uma das versões da lenda) que tudo terá começado durante um dos muitos
episódios de cerco e guerra a que Miranda do Douro se viu sujeita ao longo da
sua existência. Algumas versões mais “historicizantes” pretendem mesmo que o
acontecimento que seguidamente narramos terá ocorrido por volta de 1711, quando
Miranda foi invadida pelo exército castelhano durante vários meses.
Estava pois a cidade invadida,
saqueada e sem qualquer esperança de socorro ou salvação, já que dos prometidos
reforços não se vislumbrara qualquer efectivo, quando surgiu no alto das
muralhas uma criança, vestida de fidalgo cavaleiro, gritando e apelando aos
mirandeses que pegassem nas armas e lutassem contra os invasores. Foi tal o
apelo e o ânimo que, saindo os habitantes das suas casas com as mais improvisadas
armas, nomeadamente instrumentos agrícolas, conseguiram o milagroso feito de
expulsar os invasores.
No momento de celebrar a vitória
constataram, contudo, que da criança que os motivara para a luta e que, em
plena batalha, surgira em vários sítios, não havia o mínimo sinal.
Compreenderam então que o seu feito se ficara a dever a uma intervenção divina
e, por esse motivo, mandaram esculpir uma imagem de um Menino Jesus vestido à
fidalgo da época e colocaram-no num altar em plena catedral de Miranda. Durante
os anos seguintes, e como forma de agradecimento, eram vestidos novos fatos
fidalgos à imagem, nascendo assim a tradição, que posteriormente se alargaria a
outras “formas, feitios e tecidos”, de lhe oferecer vestuário.
Outras versões procuram detectar,
na lenda, um misterioso amor proibido ou frustrado de uma fidalga, ou mesmo
religiosa, que vestiria a imagem da forma como idealizava o seu secreto noivo:
de fidalgo cavaleiro.
Esta versão, embora tropece no
facto de em Miranda nunca ter existido qualquer convento feminino, possui a seu
favor o facto deste Menino não ser, de facto, um bebé ou uma criança,
representando antes um jovem com cerca de dezoito ou vinte anos. Por outro
lado, esta versão tem ainda a ajuda de ser historicamente reconhecido que a
devoção ao Menino Jesus teve um forte incremento a partir do século XVII, na
sequência da Contra-Reforma, exactamente por parte do mundo conventual
feminino.
Tenha esta criança motivado a
revolta dos populares contra os ocupantes castelhanos, ou seja ela a
representação de um amor proibido, a verdade é que a fama desta escultura
rapidamente se alicerçou dentro da comunidade e daqui se difundiu um pouco por
toda a parte. A prová-lo está o facto de já em 1722 constar do arrolamento dos
bens desta Sé Catedral uma vasta lista de fatinhos de cavaleiro que, já naquele
tempo, vestiam ao menino. De nada adiantando as disposições ditadas pelas
Constituições Sinodais de Elvas de 1633 que proibiam as imagens que usassem
“vestidos profanos com topetes” ou aparecessem com “espadas ou outras insígnias
indecentes”.
“Indecente” seria considerada,
certamente, a cartolinha que o Menino Jesus passou a ostentar desde os finais
do século XIX/ inícios do XX. Trata-se pois de um adereço completamente
extemporâneo ao aparecimento da imagem, mas que não deixa de ter um profundo
significado. Com efeito, a intenção de oferecer a cartola embora tenha sido uma
forma de distinguir e tornar ainda mais nobre esta imagem, acabou por
representar, no final do século XIX, o reconhecer da importância crescente que
os capitalistas e altos senhores burgueses (exactamente os que utilizavam
cartola) possuíam na sociedade de então, ultrapassando de algum modo em
importância os fidalgos e aristocratas que até então haviam dominado a
sociedade e... a forma de vestir do Menino.
E a verdade é que a cartolinha
veio para ficar...
A RTP também transmitiu reportagem sobre esta imagem e a sua devoção (http://www.rtp.pt/noticias/index.php?article=512456&tm=8&layout=122&visual=61)
Sem comentários:
Enviar um comentário