Em dia de Pentecostes, transcrevemos um breve comentário elaborado pelo P. Franclim Pacheco da Diocese de Aveiro:
Na solenidade de Pentecostes o texto
evangélico é ainda tirado do evangelho de S. João e é importante lê-lo
em paralelo com o texto de Act 2,1-11 que descreve o dom do Espírito ao
grupo dos discípulos. A importância da festa litúrgica e do seu sentido
eclesial, além do sentido cristológico, orienta-nos para a compreensão
do texto bíblico.
O cumprimento da
Páscoa, cinquenta dias depois, na festa do Pentecostes, que em Israel
celebrava o dom da Lei, faz-nos compreender a ligação estreita entre
Jesus ressuscitado, o Espírito Santo e a vida da Igreja. De facto, o dom
do Espírito parte da Páscoa, é dom do Pai e do Filho e conduz a Igreja
para a plenitude do Reino, pois guia, ilumina e sustenta os crentes na
missão de anunciar o evangelho, continuando a obra do seu Mestre, o
Senhor Jesus. O elo do Amor no seio da vida trinitária, o Espírito
divino, torna-se assim o vínculo que une a comunidade crente e torna-a
testemunha credível no mundo.
O texto deste domingo é
parte do evangelho que escutámos no domingo de Páscoa em que o encontro
do Senhor ressuscitado com os seus é acompanhado precisamente do dom do
Espírito Santo e da missão; nesta solenidade o acento cai sobre o
segundo elemento e sobre o papel do Espírito na vida do cristão,
temáticas antecipadas nos textos dos dois últimos deste tempo pascal.
O texto coloca-nos no dia da
ressurreição, em Jerusalém; depois da primeira parte do dia dia, com a
descoberta do túmulo vazio, a visita de Pedro e João e das mulheres e o
testemunho de Maria Madalena, chegou a tarde. O lugar não é
especificado, o evangelista quer atrair a atenção para o carácter
eclesial do acontecimento. Recordemos que para João ressurreição e dom
do Espírito são um só acontecimento e, por isso, colocados no mesmo dia.
A indicação da tarde pode, além disso, fazer referência às reuniões
dominicais das primeiras comunidades cristãs.
Os discípulos, não somente
os apóstolos, estão reunidos com as portas fechadas, com medo, numa
situação de angústia que muda radicalmente com a chegada de Jesus que se
faz presente aos seus discípulos naquela tarde como em qualquer outra
circunstância ou tempo; a sua saudação «Paz a vós» (Shalom) é um dom
efectivo de paz, como o próprio Jesus tinha prometido: «É a minha paz
que eu vos dou; não a dou à maneira do mundo» (Jo 14,27). Jesus mostra
as mãos e o lado, donde tinha saído sangue e água, para mostrar a fonte
da eficácia salvífica da sua morte. Além disso sublinha-se a identidade
entre o Senhor glorioso da Igreja e o Jesus crucificado. Os discípulos
reconhecem imediatamente Jesus, sem reservas.
Jesus diz-lhes de novo: «Paz
a vós». Com a ressurreição, Jesus deu início a um tempo novo,
assinalado pela alegria, mas também caracterizado por uma nova tarefa
confiada aos discípulos. «Como o Pai me enviou, também eu vos envio».
Não se trata dum confronto entre duas acções de envio, a do Pai em
relação ao Filho e deste em relação aos discípulos; é indicada, isso
sim, a forte continuidade duma única missão recebida do Pai, primeiro
por Jesus e agora pelos discípulos, não somente aqueles, presentes em
Jerusalém, mas também os do futuro, de todas as épocas e lugares.
Após o envio segue-se o dom
do Espírito Santo, em vista da missão de que são investidos os
discípulos. O gesto de Jesus reproduz o gesto primordial da criação do
homem, o que mostra o objectivo bem claro de sugerir que se trata aqui
duma nova criação. Jesus glorificado comunica o Espírito que faz
renascer o homem, concedendo-lhe poder partilhar a comunhão com Deus.
A seguir fala-se de perdão
dos pecados. Referindo-se a Mt 26,28 e ao que é comum nos evangelhos,
agora João explicita o conteúdo do mandato confiado aos discípulos: o
perdão dos pecados, o dom da misericórdia. A fidelidade de Jesus ao Pai
na sua paixão e morte trouxe a salvação que se concretiza no
acolhimento do pecador e na condenação do pecado. Graças à vitória de
Cristo a salvação divina prevaleceu sobre as trevas e atingiu todas as
pessoas através do ministério dos discípulos.
A formulação em positivo e
negativo deste versículos deve-se ao estilo semítivo que exprime através
dos contrários «perdoar/reter» a totalidade do poder misericordioso
transmitido pelo Ressuscitado aos discípulos. Salvação para quem crê e
acolhe o dom de Jesus, condenação para quem não se abre a Ele com fé.
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