Hoje transcrevemos um texto da autoria de José Tolentino Mendonça para a Agência Ecclesia que nos convida a pensar:
Aquela palavra de São João, “a Deus nunca ninguém O viu” (1 Jo 4,12), trazemo-la como uma ferida. Nenhum de nós viu a Deus. E contudo a Sua presença, o Seu Amor, dá sentido às nossas vidas. Este paradoxo, que constitui ao mesmo tempo uma fonte de esperança, não deixa de ser um espinho. A maior parte do tempo, experimentamos apenas o desencontro de Deus, o Seu extenso silêncio. Buscamos a Deus sem O ver, acreditamos Nele sem O experimentar, escutamos a Sua voz sem verdadeiramente O ouvir. Tateamos o Seu rosto na ausência e no silêncio. E contudo, ausência e silêncio são lugares que misteriosamente insinuam uma presença. No filme “Nostalgia” de André Tarkovski, há uma cena lancinante onde se vê um grupo humano que anda desencontrado, uma multidão que se move de um lado para o outro, numa demanda labiríntica. Ouve-se então uma voz, a voz de um narrador que rompe o silêncio com este grito: “mas diz alguma coisa Senhor, diz-lhes uma palavra, eles andam à procura, não vês que têm o desejo de Ti?”. A voz de Deus faz-se ouvir com esta resposta: “E se Eu disser uma palavra, achas que eles conseguem entender?” É, no fundo, este o drama, o drama do silêncio de Deus. A dificuldade de fazer convergir finito e infinito, Graça e liberdade, provisório e definitivo, o presente e o futuro.
Porém, sabemos que o silêncio ainda não é Deus. O silêncio é lugar de luta, de procura e espera. Aos poucos vamos aderindo à possibilidade de dar espaço, de abrir a nossa vida ao Outro, deixando que a revelação do Outro nos habite. Somos em grande medida habitados pela possibilidade de Deus. Nesse sentido, a fé tem a forma de uma hipótese. A fé é expectativa. A fé vive do combate, pois nada nunca está feito, nada nunca está acabado, nada é completamente conhecido. Caminhamos às apalpadelas, como se víssemos o invisível, segundo a bela formulação da Carta aos Hebreus (Heb 11,7). A vizinhança de Deus da nossa história não anula a dimensão agónica e interrogativa da existência. O viver do crente está a fazer-se, a construir-se, é sempre inacabado, é sempre um lugar de turbulência, de agitação, de luta. E foi assim já a vida do próprio Jesus.
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