Agência ECCLESIA (AE) - Que significado novo trouxe à Igreja Católica a expressão “nova evangelização”?
D. Manuel Clemente (MC) - ”Nova evangelização” designou,
desde João Paulo II, algo que vinha sendo sentido e não encontrara ainda
expressão própria. Refiro-me à necessidade de relançar a evangelização
na Europa e além desta, já patente em João XXIII e Paulo VI. Tal
necessidade correspondia à consciência de que o mundo mudara muito ao
longo do século XX e sobretudo depois da Segunda Guerra Mundial.
Acentuara-se a deslocação das populações para os centros urbanos,
perdendo ritmos religiosos tradicionais; rarefazia-se ou
individualizava-se a conotação religiosa da existência; alargava-se a
consciência mundialista e inter-religiosa, com acesso generalizado aos
media…Estes e outros fatores questionavam íntima e externamente os
crentes, em termos de desagregação social e familiar, secularismo,
relativismo… Provindo duma Igreja resistente (ao ateísmo do regime
polaco da altura), João Paulo II trouxe para Roma e para o mundo
católico uma nova militância, afirmativa e irradiante, muito além das
fronteiras vaticanas. Incarnou à sua maneira forte e entusiasta a grande
convicção cristocêntrica do Vaticano II e de Paulo VI. Como jovem bispo
conciliar, colaborara na Gaudium et Spes, não se esquecendo de
repetir e glosar em todo o seu longo pontificado um dos trechos mais
incisivos daquela constituição pastoral: “O mistério do homem só se
esclarece verdadeiramente no mistério do Verbo Encarnado” (GS
22). Para João Paulo II, na esteira dos seus referidos antecessores,
“nova evangelização” significa propor Cristo de novo, como realização
cabal da esperança humana, pela graça divina.
AE – Em 1983, no Haiti, quando falava na abertura da XIX
Assembleia Plenária da CELAM, João Paulo II dizia que esta evangelização
deveria ser “nova no seu entusiasmo, nos seus métodos, na sua
expressão". Em causa estão questões formais?
MC - Entendemos a esta luz que a famosa expressão de João
Paulo II, referindo uma evangelização “nova no ardor, nos métodos e na
expressão” é muito mais do que retórica. E pela ordem enunciada, com
primazia para o ardor ou entusiasmo. O Papa estava profundamente
convicto de que a paixão por Cristo – e só esta! - encontraria no século
XX os melhores métodos e expressões para O testemunhar a quem quer que
fosse e onde quer que fosse. Assim como os discípulos de Emaús, a quem
“ardia o coração”; assim como Paulo, que queria “alcançar Aquele que o
alcançara”; assim como os evangelizadores das épocas expansivas do
cristianismo bimilenar; assim como ele próprio assimilara na sua Polónia
arriscadamente católica.
AE - Que alcance terão tido os projetos de nova evangelização já concretizados em Portugal?
MC - Para os que nascemos e tivemos catequese antes do
Concílio, mantendo-nos depois na vida eclesial ativa, a visão
retrospetiva recolhe vários indícios de “nova evangelização”, antes e
depois de ser assim formulada. Destaco entre eles: a maior atenção à
Palavra de Deus (em chave cristológica), ouvida, lida, meditada e
compartilhada; a maior vivência comunitária dos sacramentos, sobretudo
da Eucaristia, como realização do “corpo eclesial de Cristo”; o reforço
da ação sociocaritativa, do diálogo ecuménico e inter-religioso e dos
novos modos e protagonistas da missão, longe ou perto; a presença na
comunicação social e mediática, assimilando também os seus modos e
ritmos; a responsabilização laical e familiar na sociedade, como
“fermento na massa” – e numa “massa” que já não se garante em termos de
“cristandade”, antes a desafia em pontos cruciais da mentalidade e dos
comportamentos… Nessa e noutras áreas, há muita coisa feita e muitíssima
por fazer ou em curso. Quando se estudarem sistematicamente os planos,
programas e iniciativas das dioceses, da CEP, dos institutos e
movimentos em Portugal, do Concílio aos nossos dias, a visão geral será
surpreendente.
AE - Que contributo espera que o Sínodo ofereça ao projeto da nova evangelização?
MC - O Sínodo dará, antes de mais, um conspecto geral e
circunstanciado do que se tem feito e pensado sobre o tema, por esse
mundo além. Depois, permitirá apurar conceitos, não sendo exatamente o
mesmo encarar a “nova evangelização” do ponto de vista “cultural” -
incluindo os indispensáveis debates filosóficos e a equação correta das
relações entre ciência, razão e fé, bem como a dimensão estética do
cristianismo -, ou verificar a condição básica do seu processamento, que
passa pela redefinição ou reconfiguração comunitária da vida cristã,
meio vital para que tudo o mais aconteça e irradie. Estas e outras são
dimensões distintas e complementares da “nova evangelização”, que o
Sínodo ajudará a esclarecer e sistematizar.
AE - É possível determinar o rumo de uma nova evangelização à
escala universal? Que desafios estão reservados para as instâncias de
decisão e de evangelização locais?
MC - O rumo será decerto cristocêntrico, porque, enquanto
cristãos, é com a pessoa de Jesus Cristo que entraremos na reconstrução
dum mundo tão fragmentário e dissonante como o atual. Entraremos
pessoal, familiar e comunitariamente, vivendo em todas estas dimensões a
dinâmica pascal da existência e oferecendo-a aos outros, como
possibilidade de realização “em Cristo”. Isto em geral, porque
localmente as concretizações serão conformes a cada espaço e cultura. Na
primeira evangelização, o cristianismo ganhou a cor própria dos lugares
onde chegou, mantendo a seiva comum do Espírito de Cristo. Mas, ainda
hoje, mesmo com as particularidades linguísticas e rituais duma Igreja
malabar ou copta, grega ou latina, em todas elas nos sentimos “em casa”.
E o cristianismo é uma casa para toda a gente, porque toda a humanidade
é a casa de Cristo. Também por isso João Paulo II lembrava que “o homem
é o caminho da Igreja” (cf. Redemptor Hominis, 14).
(Fonte: www.diocese-porto.pt)
Ficam, portanto, todos convidados a reflectir nas palavras do nosso Bispo do Porto. |